SAMY ADGHIRNI - DE TEERÃ
Jorge Ezequiel Diaz, 26, viajou de Buenos Aires até Teerã para participar da Competição Internacional do Alcorão, que reúne a cada ano na capital do Irã os maiores mestres na arte de recitar e decorar o livro sagrado do islã.
Mas o argentino, inscrito na categoria leitura, não foi páreo diante de concorrentes mais preparados. "O nível é alto demais", suspirou, após declamar um trecho definido por sorteio.
Jorge foi eliminado porque o júri questionou seu sotaque em árabe, língua original do Alcorão, que ele não fala. Os árbitros também acharam que ele errou na ênfase ao pronunciar a palavra Alá.
O argentino foi um dos 106 inscritos na 31ª edição da competição, que se encerra na próxima segunda, após uma semana de disputa num centro de convenções. Mulheres não participam.
Neste ano, o concurso tem representantes de 70 países, incluindo Reino Unido e Canadá. Não há brasileiros.
A disputa é promovida pela Organização para Doações e Caridade, controlada pelo líder supremo, aiatolá Ali Khamenei.
Todas as despesas dos participantes, de traslado aéreo a alimentação, são bancadas pela organização como parte da estratégia iraniana de estender seu "soft power", o poder geopolítico pela persuasão e pela empatia.
O Irã convidou até um participante da Colômbia, país sem embaixada em Teerã.
"Estou aqui para aprender. Quero dedicar minha vida ao islã", diz o colombiano Hernando Diaz, 27.
Apesar de o Irã ser o maior propagador do xiismo, ramo minoritário no islã, candidatos sunitas se dizem bem recebidos. "Iranianos têm sido muito gentis. Até o hotel é bom", afirma o sunita Hamid Ahmed, 37, do Níger.
A maior parte dos candidatos são craques do tajwid --a ciência da recitação do Alcorão-- em seus respectivos países. Outros são detectados por "olheiros" mundo afora e incentivados a mandar uma gravação de voz como teste.
O prêmio final equivale a US$ 13 mil (R$ 28 mil) para o vencedor de cada categoria.
Na prova de recitação, o júri avalia dicção, emoção e controle de respiração em versículos que podem se estender por meio minuto. A leitura se assemelha a um canto pausado e melancólico.
Na categoria memorização, o candidato tem um dia para decorar um trecho, também definido em sorteio.
"O nível dos participantes ocidentais aumentou muito nos últimos anos", diz o clérigo Seyed Masoud Mirian, chefe do comitê de seleção.
Os favoritos são participantes dos países de maioria muçulmana, principalmente aqueles que falam árabe.
ABISMO
Não é preciso ser perito, por exemplo, para notar o abismo entre o candidato egípcio, clérigo profissional de canto envolvente e cristalino, e o chinês, cuja voz parecia oscilar a cada frase.
Concorrentes se revezam num palco diante de um plenário cujas mesas são enfeitadas com bandeiras dos países participantes.
A performance ocorre sob olhar grave de dois enormes retratos dos líderes supremos do passado e do presente, Khomeini e Ali Khamenei.
O texto declamado aparece num telão eletrônico em árabe, farsi e inglês. Não há aplausos.
O júri, composto por 15 membros, acompanha numa sala separada, olho grudado na transmissão ao vivo da TV estatal.
As provas são abertas ao público, que circula livremente pelo local e pode falar com os participantes. O plenário tem área reservada às mulheres, quase todas cobertas com o véu preto integral que identifica origem social conservadora.
"Gosto muito da atmosfera espiritual deste evento", diz a dona de casa Leila, 30.
Alguns competidores, porém, não escondiam a decepção pelo fato de o presidente Hasan Rowhani, um clérigo, não ter aparecido na cerimônia de abertura.
"Estávamos todos na expectativa de vê-lo", lamentou o argentino.
A ausência alimenta especulações de disputas internas entre Rowhani, favorável à relativa liberalização, e seus adversários ultraconservadores, alguns dos quais são associados ao líder supremo. "O presidente não aceitou nosso convite", diz Bagheri Karim, do comitê organizador. Folha, 29.05.2014.
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