quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Com experiência ímpar em negociação nuclear, Brasil deveria ver acordo sobre o Irã como uma oportunidade

MATIAS SPEKTOR
O acordo deste domingo foi o ato político mais relevante dos últimos tempos: a negociação entre o Irã e o grupo P5+1 criou possibilidades antes inimagináveis.
No Brasil, recuperou-se a memória da Declaração de Teerã de três anos atrás.
À época, a diplomacia turco-brasileira defendeu princípios que o atual acordo consagra: o reconhecimento do direito inalienável do Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos e a importância da interlocução direta com o regime em Teerã.
Em vez de celebrar, porém, a conversa pública brasileira abraçou certa amargura.
Circula na imprensa a noção segundo a qual o acordo de domingo seria muito similar à Declaração de Teerã (ou pior que ela). O mundo teria perdido três anos por culpa de grandes potências, que, enciumadas, teriam puxado o tapete do Brasil e da Turquia.
Tal leitura é equivocada.
Primeiro: o acordo deste domingo está baseado no entendimento de que somente sanções asfixiantes levam o Irã a fazer concessões significativas. Brasil e Turquia defendiam o oposto.
Segundo: os termos deste acordo de agora são muito mais profundos e abrangentes do que se buscou fazer em 2010.
Terceiro: Estados Unidos e Europa puxaram mesmo o tapete de Brasil e Turquia. Só que não o fizeram por ciúme, arrogância ou medo, mas devido à política interna norte-americana e à dinâmica da negociação entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Ao ignorar as causas verdadeiras de nosso revés em Teerã --e ao fazer pouco do acordo recém-assinado--, atentamos contra os nossos próprios interesses.
Afinal, o novo governo iraniano precisa de toda a interlocução possível até maio do ano que vem, quando voltará à mesa de negociação. Forças poderosas apostarão em seu fracasso, e poucos países têm tantas condições de oferecer-lhe diálogo como o Brasil.
Em Genebra, na semana passada, os negociadores iranianos lembraram a iniciativa turco-brasileira mais de uma vez. E o presidente Rowhani repete: para ele, o Brasil é exemplo bem-sucedido de um país que, sob sanções no passado, livrou-se delas, preservando seu programa nuclear para fins civis.
Há algo mais. Nos próximos meses, ganhará fôlego o debate sobre a transformação do Oriente Médio em zona livre de armas nucleares.
As chances de Israel aceitar algo assim são ínfimas, claro, mas nada é impossível.
A experiência do Brasil é ímpar, pois se passaram mais de 30 anos de negociação entre a primeira proposta de uma zona dessa natureza em nosso entorno regional e a sua implementação efetiva. Temos algo a dizer.
Por isso, talvez devêssemos receber o resultado de domingo como uma oportunidade. Ao saber da notícia, o presidente turco foi veloz: "Este é um grande passo adiante... Parabenizo os negociadores por seu engajamento construtivo".
Aqui, ao contrário, o Planalto não se pronunciou. E a nota oficial resume-se a indicar que o governo brasileiro "tomou conhecimento, com satisfação".
Fonte: Folha, 27.11.2013.
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Acordo com Irã atrasou 3 anos, diz Amorim
Texto anterior era mais duro com Teerã, afirma chanceler de Lula responsável por mediar pacto fracassado em 2010
Segundo Amorim, hoje ministro da Defesa, política interna dos americanos afetou as negociações na época
FERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIA
O ministro Celso Amorim (Defesa) afirma que o acordo sobre energia nuclear alinhavado em 2010 pelo Brasil e pela Turquia com o Irã era mais duro do que o atual, que acaba de ser anunciado.
Em certa medida, a negociação mediada em 2010 atenderia também mais aos interesses dos EUA do que o acerto do último domingo, assinado em Genebra entre Irã e o chamado P5+1 (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China).
Em entrevista à Folha e ao UOL, Amorim afirmou que "foram três anos perdidos" desde a iniciativa liderada por Brasil e Turquia. "Do ponto de vista dos países ocidentais e dos EUA, aquele acordo [de 2010] era muito simples, muito matemático. Era tudo muito verificável", diz o ministro da Defesa, que foi durante oito anos (2003-2010) o titular da pasta de Relações Exteriores no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
A diferença básica e mais relevante entre o acordo ensaiado em 2010 e o que foi firmado agora diz respeito a quem faria o enriquecimento do urânio. Há três anos, o Irã havia concordado em outorgar a outro país essa tarefa.
Pelo tratado atual, os próprios iranianos ficarão incumbidos dessa operação e depois se submeterão a algum tipo de fiscalização.
"Eu diria que o Irã estava fazendo uma concessão, naquela época, que não precisou fazer agora", diz Amorim, que participou diretamente da negociação em 2010. Naquele momento, o acordo acabou não prosperando porque o presidente dos EUA, Barack Obama, preferiu não levar as conversas adiante.
Ao analisar a razão pela qual as coisas não andaram há três anos, Amorim afirma ser "tentador dar vários tipos de resposta". O que torna tudo mais difícil de ser interpretado é que Brasil e Turquia obtiveram do Irã "exatamente aquilo que o presidente Obama tinha pedido", diz o ministro da Defesa. O desejo dos EUA foi detalhado em carta do próprio Obama a Lula.
Fatores políticos dentro dos EUA acabaram inviabilizando a execução final do acordo em 2010. Obama ainda estava no seu primeiro mandato e precisava garantir o apoio de todas as alas de seu partido na época, inclusive os mais conservadores, que viam com reticência um acordo nuclear com o Irã.
"Política interna e política internacional estão ligadas. Então, há relacionamentos internacionais dos Estados Unidos que têm reflexo na política interna", declara Amorim. Essa conjuntura acabou sendo "absolutamente preponderante" para o insucesso de três anos atrás.
HAITI
Líder de uma missão militar da ONU no Haiti desde 2004, o Brasil não será "uma guarda pretoriana de nenhum presidente haitiano", afirma o ministro da Defesa. Ele considera, entretanto, que o país não poderá "sair de uma maneira irresponsável" do território haitiano.
"Estamos fazendo uma retirada num ritmo bastante razoável. O Brasil tinha originalmente 1.200 homens. Esse número subiu para 2.300, mais ou menos. Já diminuímos cerca de 700 nos últimos dois anos e meio."
E quando será a retirada completa? "O que é desejável é que depois da próxima eleição, que deve ocorrer em dois, três anos, a gente esteja preparado para sair. E que o Haiti tenha a sua polícia nacional formada", diz Amorim.


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